Histórias

UM MUNDO NOVO


Postada em 22/12/2024 às 07:47
Por Maria Helena da Bernarda


“Hoje, posso dizer que sou um homem feliz, mas tive de fazer por isso. A vida não me deu acesso direto à felicidade…
A pior fase da minha vida durou até ao dia em que o meu pai faleceu de cirrose, tinha eu 19 anos. Ele era um alcoólico de primeiro grau. A sua adição ao álcool, juntamente com epilepsia e stress pós-traumático que trouxe do Ultramar, tornaram-no um homem incapacitado para o trabalho e muito violento.

Nasci há 59 anos e vivi até há 2 numa aldeia perto de Valença do Minho. Eu era o mais velho de dois irmãos. Cresci naquele ambiente horrível, vendo a minha mãe sacrificar-se por todos.

Ela começou por trabalhar numa fábrica de calçado e depois num restaurante. Chegava a casa e ainda aguentava tareias, o que nenhuma mulher devia aguentar, mas a sua cultura a isso impunha. Muitas vezes me meti pelo meio para a defender, tentando agarrar o meu pai, mas nunca o enfrentei com violência; não por medo de mim, mas por medo das consequências sobre a minha mãe. Não consigo descrever os piores momentos, pois são chocantes demais.

No dia em que o meu pai faleceu senti alívio, mais do que desgosto ou contentamento. Por incrível que pareça, quando vi a urna a descer caiu-me uma lágrima porque, por muito mau que ele fosse, era meu pai. A partir desse dia tudo melhorou.
À minha sacrificada mãe devo tudo o que sou. Para ajudar em casa, larguei aos 12 anos a telescola para trabalhar na construção civil, onde estive até ir para a tropa. Ingressei depois numa fábrica de têxteis, a seguir numa vidraria, até abrir um café.

O meu maior ato de coragem, fi-lo por amor à minha atual companheira. Eu vivia um casamento desgastado, não por não termos tido filhos, mas por falta de ligação. Divorciámo-nos e conheci uma pessoa cada dia mais importante para mim. Para poder estar com ela, impunha-se que eu deixasse a aldeia onde passei toda a minha vida. Ponderei e larguei tudo o que eu tinha e de que gostava: o campo, a casa, o meu estabelecimento, os animais - cães, gatos, patos, galinhas, cabritos e ovelhas - para viver no centro de Lisboa. Todo um mundo novo!

Aqui abrimos um café em conjunto e vivo agora com uma certeza: o amor existe, é preciso é procurá-lo!”